quarta-feira, 19 de março de 2008

Duquesa de Medina Sidonia

Fiquei impressionada com esta senhora, primeiro por um artigo "In Memoriam", de José Cutileiro, publicado no jornal "Expresso" de 15 de Março passado, e, depois, por uma pequena pesquisa que efectuei na internet e que veio consolidar a primeira impressão com que dela fiquei: De foi uma mulher de uma coragem, frontalidade e dinamismo difíceis de igualar. Nascida no Estoril, em 1936 e falecida no dia 7 deste mês, "de causas naturais", segundo a imprensa espanhola, Luisa Isabel Alvarez de Toledo y Maura, conhecida como a "Duquesa Vermelha", foi, desde sempre, uma rebelde, ou melhor, uma contestatária, socialista, denunciadora de injustiças sociais e agindo de acordo como tal, tendo estado presa por isso mesmo, por ir contra tudo o que considerava errado na ordem social estabelecida.
Essa atitude perante a vida não obstou a que tenha sido a guardiã incansável do espólio de 500 anos herdado de sua ilustre família - uma das linhagens mais antigas de Espanha e da Europa.
Mas nada melhor do que transcrever o que Mário Soares escreveu para o "Diário de Notícias" sobre esta grande figura da aristocracia ibérica:
A Duquesa Vermelha. Como alguns semanários portugueses noticiaram, morreu, na passada sexta-feira, no seu castelo de Sanlúcar de Barrameda, na foz do rio Guadalquibir, Luísa Isabel Alvarez de Toledo y Maura, duquesa de Medina Sidónia e marquesa de Villafranca, uma dos "grandes" de Espanha.Era uma personalidade muito singular. Tendo nascido no Estoril, em 1936 - no ano fatal do golpe clerical-franquista contra a II República Espanhola, que se transformaria em cruenta guerra civil (1936-39) - numa família da mais alta aristocracia, aliás muito ligada a Portugal (Luísa de Gusmão, mulher de D. João IV, pertencia à linhagem dos Medina Sidónia), tornou-se em adulta republicana e anarquista, depois de um casamento infeliz, que desfez, assim que lhe foi possível.Pela parte da mãe era neta de António Maura, outro "grande" de Espanha, que foi ministro da República e avô em linha recta do intelectual e escritor espanhol Jorge Semprun, ministro da Cultura de um dos governos de Felipe Gonzalez. Conheci a duquesa de Medina Sidónia, quando se encontrava exilada em Paris, depois de ter estado presa nos cárceres franquistas, para evitar novas prisões. O Maio de 68 ainda estava próximo e o ar que se respirava em Paris, em pleno gaullismo, era de grande liberdade e não só política.Lembro-me que a conheci num jantar do Centro Republicano de Paris, em homenagem ao político catalão Companys, fuzilado pelos franquistas, onde se encontrava também a sua viúva. Nos arquivos da Fundação Mário Soares deve ainda haver uma fotografia desse evento onde eu figuro, sentado ao lado da Duquesa Vermelha. Falámos muito nessa noite. Naturalmente de Espanha, de Portugal e das respectivas libertações. Conspirámos um pouco. E ficámos amigos. Vimo-nos ainda algumas vezes em Paris. Depois da Revolução dos Cravos, visitou--me em Lisboa, não sem reconhecer que, finalmente, Portugal se tinha libertado da ditadura primeiro do que Espanha!Mas a transição espanhola veio logo em 1976-78. A duquesa de Medina Sidónia regressou a Espanha, entretanto. Filiou-se no PSOE. Participou em manifestações. Distribuiu terras suas às cooperativas de camponeses da Andaluzia. E, sobretudo, zangou-se com muita gente, porque era de feitio conflituoso, frontal, dizia o que pensava, sem papas na língua, e era muito senhora do seu nariz.Cansada da política, refugiou-se no seu castelo de Sanlúcar de Barrameda e meteu-se, furiosamente, a organizar o seu valiosíssimo arquivo histórico, com a colaboração da sua inseparável amiga alemã, Liliana, com quem vivia em união de facto, perfeitamente assumida. A última das suas originalidades consistiu em casar in articulo mortis, coerentemente, com a sua amiga Liliana, a quem deixou os seus bens.Um dia, era eu Presidente, telefonou-me para Belém. Disse-me que se tinha zangado com o reitor da Universidade Complutense de Madrid, que, aliás, era um homem consensual e pacífico, que conheci bem. Queria estabelecer um contacto com a Universidade de Coimbra, cujo prestígio conhecia desde sempre. Pediu-me, numa palavra, para fazer o contacto. Assim fiz. Contactei o meu amigo, reitor de Coimbra, Rui Alarcão, e disse-lhe do que se tratava. Ele ficou francamente interessado. E daí, partimos os dois, de automóvel, para Sanlúcar de Barrameda, onde passámos uma noite e jantámos com a Duquesa e a sua inseparável amiga e conversámos longamente. Uma noite divertida e encantadora.Acho que o acordo não chegou a concretizar-se. Infelizmente. Não sei bem porquê. Mas dessa noite - e da nossa conversa - ficou-me uma recordação indelével. Lembro-me que referiu e mostrou um velho relatório que encontrou nos seus arquivos, de um espião de Felipe II de Espanha, que assistira à batalha de Alcácer-Quibir e que assinalava ao Rei que D. Sebastião não tinha morrido e fugira. Lembrei-me de um grande romance de Aquilino Ribeiro - de pura ficção, Aventura Maravilhosa , que narra a fuga de D. Sebastião, depois da batalha, até chegar, após imensas peripécias, ao Escorial, para reclamar o trono ao seu tio Felipe II. Que o reconheceu e o mandou matar.Será que os sebastianistas teriam alguma razão ao afirmar, naqueles tempos, que D. Sebastião não morrera em Alcácer-Quibir?! Eis um enigma que alimenta há séculos a nossa História e a imaginação de muitos portugueses. (Por Mário Soares – no Diário de Notícias de 18.03.2008)
Notável, não?

3 comentários:

Paulo disse...

Uma Grande Senhora, esta Grande de Espanha. Fiquei fascinado. Andei a passear pelo "Palácio dos Gusmãos", que também há-de ser interessantíssimo. Merece uma visita a Sanlúcar de Barrameda. É logo ali ao pé de Cádiz e podemos ficar na hospedaria da Fundação.
Gostei do contributo de Mário Soares.

Bem-me-quer disse...

Também adorava lá ficar, mas aqueles répteis que por lá se passeiam...É uma das minhas paranóias difíceis de combater. Pode ser que eles não entrem para os quartos, não achas?
Quanto ao Mário Soares, está cada vez melhor.

Bjs.

Paulo disse...

Os camaleões não fazem mal a ninguém. Ia dizer "a uma mosca", mas aí estaria a mentir. Aliás, é por isso que são nossos amigos.