sábado, 24 de novembro de 2007

Senhoras das águas

Cúmplices de um projecto de íntimas paisagens, as donzelas observam as águas profundas de mistérios, e parecem esperar que por elas lhes seja revelado o caminho de seus destinos.
Quem se atreve a desvendar onde elas passam os seus dias? (Isto é mesmo um desafio a quem ousou espreitar este cantinho)

Será que a D.Binda ainda vive aqui?

Aquela casa, de toldo recolhido, era, há poucos anos atrás, a mercearia, a drogaria, os correios e a Pensão da aldeia de Cabril. D.Binda, sua dona e senhora, era a anfitriã completa desta casa e desta aldeia. Ela tomava conta da loja, ela distribuía o correio, ela preparava as refeições para os seus hóspedes, ela preparava as acomodações, ela incumbia o seu marido de transportar quem necessitasse à cidade mais próxima, Braga. D. Binda era a super mulher daquele sítio magnífico. Não fora ela, e ficaríamos na rua, sem termos onde comer e dormir.
Será que ainda vive ali?
E, depois, a paisagem circundante é linda. Os cavalos da meseta ibérica, são muito especiais, pequenos mas robustos, com a sua crina imensa, fulgurante de doirada.
E tudo foi encantatório. Aquele frio com Sol de Inverno, e nós a renascermos a cada instante. Tudo era natureza e tudo era belo, tão belo que ficou para sempre incrustado na memória das coisas para sempre.

domingo, 18 de novembro de 2007

Leio, logo existo +

Mia Couto é um escritor doce, poético, muito sensível, muito querido e...um sábio. Dele emana uma sabedoria antiga, uma coisa com raízes bem fundas que nos encanta e delicia. Há um brilho transcendental e uma carga telúrica em tudo o que escreve. Os temas da sua escrita são, invariavelmente, África e os seus nativos, a sua História, as suas lendas, a sua forma de estar na vida.
Não conheço a África de Mia Couto, nem sei se algum dia lá irei, mas, através da sua obra, vou descobrindo esse continente de uma forma, tenho a certeza, muito mais profunda e completa, do que se por lá passasse em passeio turístico. Neste momento encontro-me a ler "O Outro Pé da Sereia" (Editora: Caminho/Outras Margens), obra que avança por zonas mais obscuras da alma humana. Antes, tinha lido "O Fio das Missangas", sátira social muito engraçada, em vários contos, qual deles o melhor, sem, no entanto, perder as características que acima reconheci no seu autor. E vou continuar, intercalando com outras leituras, por esse mundo literário singular que é a obra deste escritor maior moçambicano.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Rumos interiores (rumores?)

Se calhar hoje não dá jeito.
Se calhar é inoportuno.
Se calhar eles vão pensar que tu estás aqui por causa daquela com cauda de crocodilo e garras de gata.
Se calhar vão pensar que tu já estás alterada por alguma conjugação química de alquimias namíbias.
Não vão eles ou elas pensar que tu já não te reconheces no teu eu e abandonar-te sem querer conhecer o teu agora.
OHHHHohhh! Não,não se vão, não, não se vão em vão, nãoooooooooooooooooooooooooooooo!
Ainda não sabem quem tu és. Nem tu, múltipla de ti, que não és pessoa. Espera! Espera por mim!
Ah!
Aí estás, tu que permaneces.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

SobreLeituras

Estou a ler o último de Paul Auster, "Scriptorium". Um bocadinho todos os dias, para melhor o saborear. Uma história que, para já, me faz lembrar um pouco os últimos anos da vida de meu pai, doente precoce de Alzheimer, de que começou a sofrer algures a partir dos 60 anos de idade. Isto porque, embora aparentemente o personagem esteja a ser castigado por quem lhe consagrou um ódio profundo ao ponto de o querer ver num estado de completo esquecimento e dependência, que vai fomentando através de químicos adequados ao fim pretendido, os seus sintomas são muito semelhantes aos que o meu pai apresentava.
Porquê falar do meu pai em contexto tão diverso da sua realidade? Ele que nunca foi à tropa, que tinha horror à violência, para quem a lealdade e o dar a mão aos que dele precisassem era modo de estar na vida. Porquê? Apenas porque o trauma que os seus últimos anos de vida deixaram nos seus entes mais queridos, entre os quais eu, foi tanto que certas descrições comportamentais me (nos) fazem, inevitavelmente, lembrá-lo. Alzheimer aos 80 é diferente de Alzheimer aos 65. (Reli este apontamento e estou a imaginar as possíveis críticas que, caso isto fosse lido por mais alguém, poderiam cair sobre os ditos escritos. O que é que o romance de Paul Auster em causa tem que suscite divagações sobre esta doença? Parece uma daquelas coisas que se mandam para as Selecções. A rapariga escreve mal mas mal. Porque é que a doença aos 80 é menos má do que aos 65? ) A resposta, a minha resposta, é: Porque tudo o que sugere os meus Entes Mais se sobrepõe imediatamente aos personagens fictícios. É natural, suponho eu. Podia escrever sobre o livro, mas como ainda estou no princípio, seria ficção sobre ficção. Peço, desde já, desculpa por qualquer coisinha a todos os Avatares que me lêem.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

(O)CASO

Não era fácil convencer-se de que a juventude já tinha ficado para trás e que os tempos se alteravam à velocidade do tempo. Observava tudo com muita sofreguidão, como se fosse perder a capacidade de memorizar e não pudesse rever na mente o que os seus olhos tinham captado. Olhava-se ao espelho e surpreendia-se com a quantidade súbita de rugas que lhe apareciam no rosto. Depois, já não se expressava com a ligeireza de outros tempos. Parecia que as palavras não se faziam entender, e que os outros tinham dificuldade em perceber o que pretendia comunicar. A pouco e pouco, foi-se isolando dos outros, evitando confrontos de que podia sair com problemas de afirmação e outras mágoas irreversíveis no seu ego. Fugia de médicos, porque desconfiava. Refugiava-se no seu espaço, só com as suas coisas favoritas, que só partilhava com Seres muito especiais. Mas não se sentia só. Apenas sentia cansaço.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Rotinas em tempos de bonança

Quando se levantou, hoje de manhã, não sabia o que a esperava. Uma mosca varejeira a passear na sala, onde tomava o pequeno almoço, tanto a incomodou que acabou por chamar um dos gatos para resolver o assunto. E, pronto, não se fala mais nisso. Quando foi ao mecânico pôr o carro a arranjar, esqueceu-se de que ainda precisava do carro para transportar as compras do supermercado para casa. Resultado, o mecânico ficou para outro dia. Quando se apercebeu que já eram horas de lanche, porque se distraiu a ver "India Song", de Marguerite Duras, comentou que o tempo passa demasiado depressa para seu (des)gosto.